Quem determina se Deus é Senhor é o povo, não seus
governantes.
Lembro-me dos tempos da minha infância eclesiástica. Criado
na igreja desde tenra idade, como se diz, era filho de diácono batista. Ou
seja, era dos últimos a sair da igreja, isso quando não fechava o templo.
Naquela época, cansei de ouvir dizerem na igreja que determinadas atividades
eram inadequadas para um verdadeiro cristão. Advogado, por exemplo. Onde já se
viu um crente defender um criminoso, pecador? Outra atividade deplorável era a
de baterista. Aquele barulho profano não podia vir do Senhor! E político,
então? Já imaginou uma alma lavada e remida no sangue de Cristo se metendo
naquela roda da escarnecedores, participando daquelas negociatas?
Com o tempo, a bateria ganhou seu espaço nos altares das
igrejas e os advogados viraram até presbíteros. Mas foi na área política que a
coisa mudou radicalmente. Se, antes, a atuação política era desestimulada no
rebanho e um crente ser vereador ou deputado era visto como um sacrilégio,
agora já temos até bancada evangélica. A cada eleição, pastores candidatos
pululam Brasil afora.
Até aí, nada demais; cada um usa a plataforma que possui.
Quem é radialista, por exemplo, apela aos votos dos ouvintes; sindicalistas
recorrem ao pleito dos operários; produtores rurais buscam apoio de colegas
agricultores. Portanto, quem vem da Igreja tem mais é que conseguir votos na
Igreja e defender seus interesses.
Isso quer dizer então que cristão deve votar em cristão,
crente em crente, evangélico em evangélico? Aí minha resposta é um esplendoroso
não. Explico. Quando precisamos de um cardiologista, recorremos ao melhor
especialista que podemos pagar ou vamos a um médico cristão? Quando o carro
quebra, procuramos um bom mecânico ou simplesmente um profissional que se
apresente como crente? E se formos comprar um bolo, nossa preferência será pelo
mais saboroso ou optaremos por aquele feito por uma irmãzinha na fé, ainda que
não agrade tanto ao paladar? E as obras? Confiamos nossos prédios a um
engenheiro competente ou damos preferência ao evangélico, simplesmente porque é
evangélico?
Ainda que muitos de nós favoreçamos membros de nossa
comunidade eclesiástica, só o fazemos porque acreditamos e confiamos nos
profissionais em questão. Em primeiro lugar deve vir a capacidade do indivíduo
para realizar a tarefa a que se propõe, e depois sua opção religiosa. Por isso,
ao votar, todo cristão (e cidadão) tem a obrigação perante a sociedade de tomar
a mesma atitude e escolher quem acredita ser o melhor candidato – o que não
necessariamente inclui aqueles que professam a mesma fé ou pertencem a
determinada denominação.
Há cristãos na política que dão um grande testemunho e atuam
visando ao bem estar da sociedade. Da mesma forma, há pessoas de outros credos
extremamente honestas e fazendo um ótimo trabalho parlamentar ou governamental.
E há políticos pilantras de todas as crenças, ou de crença nenhuma, que agem só
visando aos próprios interesses. Ou seja, religião nenhuma é garantia de
caráter ou idoneidade.
Como cristãos, devemos amar nosso próximo como a nós mesmos
– o que também significa votar pelo outro, votar pela sociedade. Devemos,
portanto, escolher o melhor candidato não apenas para nós mesmos, mas para todo
o grupo social ao qual pertencemos. Esta mentalidade de voto, que é
absolutamente cristã, é muito mais importante que a religião do candidato. Mas
e o versículo que diz “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”, em Salmos 33.12? Para
começar, Deus ser Senhor é diferente de bispo ser presidente, pastor ser
senador e evangélico ser deputado. A religião professada pelos políticos não
garante a senhoria divina.
Quem garante que Deus é Senhor é toda a nação, toda a
sociedade. Um país com um presidente cristão e uma população descrente não terá
Deus como Senhor. E um estado com uma população cristã poderá proclamar Deus
como Senhor, ainda que seus governantes não professem tal fé. Quem determina se
Deus é o Senhor é o povo, não seus governantes. Trata-se da mais pura
democracia divina.
Quer dizer então que não voto em cristão? Nada poderia ser
mais falso. Nesta próxima eleição presidencial, por exemplo, estou propenso a
votar em uma candidata cristã – até porque os outros dois concorrentes me
desagradam, um pelo partido e outro, pelo caráter. Mas vou votar nela porque é
cristã? Jamais. É porque acredito que ela é a melhor candidata para o país,
para mim e, mais importante, para meu próximo. E ainda votaria mesmo se ela
declarasse que não acredita em Deus...
Cristianismo hoje
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