quinta-feira, 30 de agosto de 2012

MENTIRAS QUE EVANGELICOS CONTAM SOBRE POLÍTICA


As mentiras que os evangélicos contam

Aconteceu entre os dois turnos da eleição municipal, em uma cidade brasileira.
Nessa cidade, como em muitas outras, o candidato do Partido dos Trabalhadores havia passado para o segundo turno. Logo formou-se uma “Frente Cristã”, cuja propaganda afirmava que chegara “o momento de unirmos forças e dizermos um basta contra a chapa política que levanta a bandeira vermelha, que simboliza e contempla o homossexualismo e a legalização do aborto”. Segundo um dos líderes, um vereador recém-eleito de uma das igrejas evangélicas mais expressivas da cidade, a Frente pretendia “mostrar que o PT é contra a moral e contra a família”. Outro líder, o pastor principal de outra igreja, comparou o candidato do PT ao diabo, afirmando que, se fosse eleito, tal candidato fecharia as igrejas evangélicas. “A bandeira vermelha do PT é sinônimo do comunismo. Temos de lutar para impedir que Satanás tome o poder na nossa cidade. Não podemos aceitar a união de homossexuais, o aborto, o sexo livre e a baderna, que são defendidos pelos petistas”. Outros líderes da Frente incluíam o pastor da maior denominação da cidade, bem como um ex-deputado federal do Partido da Reconstrução Nacional (partido do ex-presidente Fernando Collor). Ademais, afirmava-se que a Frente envolvia 300 igrejas e mais de 200 mil membros.
À primeira vista, o caso confirma a ideia de que os evangélicos são um baluarte da direita, sempre hostis aos partidos de esquerda. No entanto, um exame mais minucioso mostra que a realidade é bem diferente e mais ambígua. Essa outra realidade é, sem dúvida, melhor em vários sentidos; mas em outros é ainda mais preocupante do que a primeira impressão.
Quando se noticiou a criação da Frente Cristã, outros evangélicos, favoráveis ao candidato do PT, ficaram chocados. Não porque houvesse evangélicos apoiando o outro candidato; numa democracia, nada é mais natural. Mas ficaram chocados com as táticas usadas pela chamada Frente Cristã. Em primeiro lugar, a Frente estava inflacionando estatísticas para dar a impressão de que quase todos os evangélicos estavam com eles e que eles decidiriam a eleição em favor do seu candidato. Os evangélicos progressistas fizeram as contas: como poderia haver 200 mil votos evangélicos para o outro candidato, quando havia somente 600 mil eleitores na cidade, dos quais apenas uns 90 mil (a cidade devia estar próxima da média de 15% de evangélicos no país) eram evangélicos? E que estes 90 mil eleitores não votavam como um bloco, via-se pelos poucos evangélicos eleitos para vereador. Obviamente, a tática da Frente Cristã era de se fazer passar por importante, exagerando seu próprio tamanho e dando a impressão de que o pastor controlava o voto de seus membros. Ainda há políticos (e jornais) não-evangélicos que não perceberam que o voto evangélico de cabresto não existe. Já houve casos de grandes líderes de igrejas que se candidataram a deputado convictos de que receberiam a quase totalidade dos votos de seus membros; ficaram com somente uns 10% desses votos e não se elegeram.

 Autoridade religiosa não se traduz necessariamente em autoridade política.
Os evangélicos progressistas ficaram ainda mais chocados com as afirmações errôneas da Frente. O PT já governou muitas cidades no Brasil e nunca fechou igrejas. Um prefeito não pode legislar sobre homossexualismo nem aborto; e de qualquer forma o partido não tem uma linha partidária nessas questões, mas somente opiniões pessoais divergentes. Ademais, corriam boatos sobre uma administração anterior do PT na cidade, a qual teria aprovado uma “Lei de Zoneamento” para dificultar a construção de templos evangélicos. Os progressistas esclareceram, para quem quisesse ouvir, que a lei havia sido aprovada pela Câmara Municipal nos últimos dias de uma administração de outro partido, e que uma proposta do prefeito petista para alterá-la havia sido rejeitada.
Enfim, os progressistas se viam como entrando no debate democrático, buscando convencer o cidadão evangélico por meio de um apelo “à consciência de cada um” (2 Co 4.2). Como disse um dos seus panfletos:
Os membros da ‘Frente Cristã’ têm todo direito de apoiar [o seu candidato]. Tudo dentro da democracia. E nós, evangélicos também, temos todo direito de apoiar [o candidato do PT]. É bom que haja um debate democrático na comunidade evangélica, cada lado tentando ganhar o maior número possível de votos através de bons argumentos. Mas vamos fazer isso sem chamar o outro lado de ‘demoníaco’, sem divulgar boatos infundados sobre fechamento de igrejas, sem inflacionar estatísticas e sem dar a impressão de que todos os evangélicos estejam do mesmo lado. Na realidade, a comunidade evangélica está politicamente dividida... e os membros votam de acordo com as suas consciências e não necessariamente do jeito que o seu pastor quer. Como diz a Associação Evangélica Brasileira (AEVB), o pastor não tem o direito de constranger os membros da igreja na hora do voto. No segundo turno, os evangélicos vão votar com consciência, ouvindo a Bíblia e os dois candidatos. Alguns vão votar em [fulano], outros em [cicrano], mas todos serão irmãos em Cristo depois. Gostaríamos que a grande maioria dos evangélicos votasse no [candidato do PT]. Mas acima de tudo esperamos que todos os evangélicos, de ambos os lados, se comportem de maneira digna do evangelho de Cristo.”
Assistindo às táticas da Frente Cristã, tive momentos em que me envergonhava de ser evangélico. Não consegui entender por que todos os pastores e líderes evangélicos decentes da cidade não se manifestavam publicamente em repúdio. E quem deveria se manifestar era, sobretudo, o grupo que apoiava o mesmo candidato que a Frente estava apoiando! Afinal, o problema não era a candidatura em si, mas as armas que a Frente estava usando (boatos falsos, estatísticas exageradas, uma falsa representatividade evangélica). Os evangélicos progressistas denunciavam esses comportamentos, mas aí parecia uma briga de desafetos políticos. Teria sido muito mais eficaz uma manifestação unida de dezenas de outros pastores, dizendo que não apoiavam o candidato do PT mas condenavam os métodos da Frente. Infelizmente, muitos pensam que tudo isso não é com eles. Não percebem que a mancha na imagem evangélica afeta a todos nós, inclusive na evangelização. Que bonito teria sido se um bom número de líderes, de todas as denominações e todas as posições políticas, houvessem se pronunciado nos meios de comunicação em repúdio às táticas da Frente. Mas o momento foi perdido.
Onde estão os conservadores sérios do meio evangélico? Precisamos urgentemente que eles se articulem e se manifestem, combatendo pelo que acreditam politicamente, dentro das normas éticas e democráticas. Seria o passo mais importante para a comunidade evangélica agora, em direção à maturidade pública, ajudando (junto com os progressistas) a promover o debate sério em nosso meio e a salvar a nossa imagem pública.
O desenlace do caso fortaleceu ainda mais a minha tristeza diante do silêncio da liderança evangélica local. Um membro descontente da maior denominação da cidade, cujos líderes integravam a Frente, gravou a mensagem de um culto na qual o pastor incentivava o voto no candidato da Frente. Este candidato, dizia o pastor, aliviaria a dívida de 350 mil reais em impostos que a igreja tinha com a prefeitura, além de fornecer 100 caminhões de terra para a construção de um novo templo. O conteúdo da gravação foi publicado no jornal. A cidade toda ficou sabendo dos interesses daqueles que queriam “impedir que Satanás tomasse o poder” no município! Além disso, o vereador recém-eleito que encabeçou a Frente apareceu depois da eleição (com o PT vitorioso) dizendo que quer fazer parte de um “ponto de equilíbrio” na Câmara Municipal, “com uma tendência para o PT. De 70% a 80% dos projetos deverão ser votados junto com o PT, outros 20% serão votados com independência.” O Satanás que, segundo a Frente, fecharia as igrejas evangélicas e legalizaria o aborto, ainda não tinha tomado posse, mas já podia contar com o apoio da Frente...
Cada vez mais, tenho convicção de que estão em jogo dois modelos de participação política evangélica. O embate entre estes dois modelos interessa a todos os evangélicos, inclusive os que se consideram apolíticos. Um dos modelos é sadio e o outro é doentio. O modelo sadio parte do pressuposto de que o mais importante agora é que os evangélicos desenvolvam uma boa prática política. Esta boa prática resultará numa imagem pública positiva, que por sua vez redundará em mais crescimento evangelístico. Este crescimento numérico também levará a maior poder de barganha político, o que deve, por sua vez, ser usado de uma forma responsável e comedida, a fim de manter a boa presença política e repetir o ciclo. Seria, digamos, um ciclo virtuoso.
O modelo doentio, por outro lado, parte do pressuposto de que a prioridade é usar o poder de barganha que já temos para favorecer o crescimento numérico das igrejas (sem falar do poder político dos líderes evangélicos). Mas isso resultará numa imagem pública cada vez pior, o que por sua vez prejudicará o crescimento numérico. Portanto, este modelo, que predomina hoje no meio evangélico, a longo prazo diminuirá o crescimento das igrejas. Será um ciclo vicioso. Em outras palavras, se o objetivo for o crescimento da igreja, o primeiro modelo é melhor. Mas se o objetivo for, na realidade, a obtenção egoísta de poder político por parte de líderes evangélicos, continuemos com o segundo modelo... e paguemos o preço.

Cap. 14 de Religião e Política, Sim; Igreja e Estado, Não
Paul Freston, Editora Ultimato

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