segunda-feira, 20 de agosto de 2012

SOBRE O AMOR AOS GAYS E ÀS MÃES QUE QUEREM ABORTAR

Por Carlo Carrenho

“Ando cansado da dicotomia maniqueísta cultivada por grande parte da Igreja Evangélica.”

Gosto muito de um tipo de literatura pouco comum no Brasil. Falo dos livros de memórias, que são um tanto diferentes das autobiografias, apesar de seu conteúdo ser sempre autobiográfico. As diferenças residem no fato de que livros de memórias não têm a obrigação de serem completos e na total liberdade do autor para selecionar as passagens de sua vida que gostaria de relatar – e mesmo desviar-se delas para contar outras histórias. No mês passado, por exemplo, li o livro Red Summer, onde Bill Carter descreve seu dia-a-dia nos quatro verões que passou no Alasca pescando salmão profissionalmente. Outro autor de livros de memórias que admiro é Donald Miller. Como os pingüins me ajudaram a entender Deus e Fé em Deus e pé na tábua (Thomas Nelson Brasil) são obras que todo cristão deveria ler.

Outra obra do gênero, Grace (Eventually): Thoughts on Faith, é de uma de minhas escritoras cristãs prediletas, Anne Lammott. Ela surpreende ao deixar claro que é pro-choice – pró-escolha – em relação ao aborto. Os pro-choice são diametralmente opostos aos pro-life, ou pró-vida, e defendem o direito de escolha das mulheres em manter ou não uma gravidez. Já os pro-life são radicalmente contra qualquer forma de aborto. A coragem da autora em assumir sua posição me inspirou a escrever este artigo. É que há muito tempo ando cansado da dicotomia maniqueísta cultivada por grande parte da Igreja Evangélica. Tudo é inteiramente bom ou completamente mau; não existe meio-termo. Este maniqueísmo se manifesta particularmente em questões ligadas à moral e à sexualidade. Lembro-me que, quando era adolescente, um simples flerte ou paquera poderia, na visão dos membros da igreja, caracterizar uma “defraudação” da garota, caso eu não tivesse cem por cento de certeza do meu interesse por ela. Resultado: passava horas agoniado, tentando descobrir a certeza moral de meus próprios sentimentos, porque, no maniqueísmo evangélico, a prática da sensualidade era, e continua sendo, sempre associada ao pecado, ao mal.

Atualmente, há duas questões em que essa dualidade opressiva se manifesta com maior vigor dentro da comunidade evangélica: a legalização do aborto e do casamento gay. E já vou avisando logo de cara: sou a favor da legalização tanto de uma coisa, quanto da outra. Pronto, falei! E não, não sou a favor do aborto e do homossexualismo! Parece contraditório, mas não é. Embora eu jamais apoiaria um aborto, acho que as pessoas devem ter o direito de escolher. Da mesma forma – embora, tomando-se por base os textos bíblicos acerca da questão, pareça impossível não condenar o homossexualismo –, defenderei com todas as minhas forças que os gays tenham direitos absolutamente iguais aos dos heterossexuais. A moral individual ou de um segmento social jamais deve ser imposta sobre a sociedade como um todo; esta é uma premissa básica da liberdade. Em outras palavras, eu não posso exigir de um não-cristão que ele se comporte de acordo com os mandamentos bíblicos, da mesma forma que um muçulmano ou judeu não pode exigir que eu viva sob seus preceitos morais.

O presbiteriano C. Everett Koop, ex-chefe do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, adotou postura semelhante ao preparar um relatório sobre a Aids. Embora pregasse a abstinência sexual e a monogamia, ele defendeu a distribuição de preservativos e a educação sexual precoce como forma de evitar que a doença se alastrasse, chocando inúmeros evangélicos conservadores. Koop se justificava dizendo que era o chefe do Departamento de Saúde dos heterossexuais e dos homossexuais, do jovem e do velho, do moral e do imoral. Ele ainda alertou seus colegas cristãos: “Vocês podem odiar o pecado, mas precisam amar o pecador”. Embora condenasse o homossexualismo, Koop foi aclamado por 12 mil pessoas em um evento da comunidade gay de Boston – afinal, ele sempre amou os homossexuais.
Se o próprio Deus nos legou o livre arbítrio ou, no mínimo, permitiu que cada ser humano escolha entre pecar ou não, não cabe a nós criar legislações que oprimam aqueles que querem uma vida diferente da que levamos como cristãos. Nossa obrigação é amar ao próximo, seja ele gay ou não, tenha ele optado ou não por um aborto. Quando aprendermos a amar aqueles que são diferentes, seremos mais capazes de influenciá-los do que por meio de legislações opressoras anti-libertárias.

É claro que a questão do aborto é um tema complicado e que há inúmeros argumentos para sua criminalização, por se tratar de uma violência contra a vida humana. Não tenho defesa para alguns argumentos pro-life. O mais forte deles foi levantado por um jurista que não aceitava que matar um recém-nascido fosse considerado homicídio enquanto um aborto aos 9 meses de gravidez não o era. Touché. Da mesma forma, não me parece fazer sentido condenar o aborto de um grupo de poucas células nos primeiros dias ou semanas de gravidez e aceitar os métodos anti-concepcionais.


Cristianismo Hoje

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