No clássico Macunaíma, de Mário de Andrade, o Brasil
conheceu a figura do herói sem caráter. Todos os povos gostam de ter
seus heróis. Todos os grupos acham importantes as figuras dos heróis.
Mas as minorias (ou aqueles que se julgam minorias) necessitam de
heróis.
O povo evangélico, acostumado e já tendo assimilado a figura
histórica de minoria no Brasil, não é diferente. Carece de heróis à
medida que angaria, no decorrer de sua história, inimigos.
A figura do inimigo faz parte do modus vivendi evangélico
desde sua chegada ao país (falo do contexto brasileiro, sem ignorar que
isso não é privilégio nosso). Sempre precisamos deles. Quando aqui
chegamos, os inimigos eram os católicos. Eram eles os inimigos da fé,
aqueles que precisavam ser convertidos. Como fumavam, bebiam,
frequentavam clubes, cinemas, casas de dança, a prática conversionista
evangélica tratou de demonizar todas essas atividades (esquecendo que
grande parte das missões evangélicas eram sustentadas pelas volumosas
ofertas de plantadores de fumo da região do Texas/EUA). Até hoje
carregamos traços desse momento histórico.
Outro inimigo voraz foi o comunismo. É óbvio que assim seria. A ética
protestante no início do século XIX foi fortemente influenciada e
influenciadora (num movimento de retroalimentação) do capitalismo que
varreu o ocidente. Era preciso combater esse grande inimigo, perseguidor
dos cristãos e favorecedor da ideologia ateia. Sem entrar no mérito da
questão, só vale aqui dizer que, durante muitos anos, esse foi o inimigo
a ser vencido. Livros e livros foram escritos sobre essa realidade, e
aqueles que manifestassem qualquer tipo de pensamento de “esquerda” já
eram tachados de comunistas e, muitas vezes, de satanistas.
Durante quase cem anos de presença protestante no Brasil os inimigos
foram os católicos e os comunistas, até explodirem os movimentos
pentecostais e suas vertentes de Batalha Espiritual. A essência belicosa
protestante aflorou, agora nas regiões “celestiais” e os inimigos de
carne e osso ganharam aliados “invisíveis” e as teorias de conspiração
dominaram o pensamento evangélico. Nessa onda vieram os discos rodados
ao contrário para se ouvirem mensagens satânicas, os filmes da Disney
como fomentadores de destruição através de suas diabólicas mensagens
subliminares e o movimento denominado Nova Era. Criou-se, desde então (e
muitos ainda vivem nisso) uma neurose evangélica com tudo aquilo que
faz sucesso, procurando as coisas ocultas e malévolas presentes em tudo.
Paranóicos, muitos isolaram-se até mesmo de seus grupos cristãos, pois
começaram a ver demônios em tudo.
Toda essa enorme introdução faz-se necessária para que entendamos o
que está por trás do sucesso de nosso Macunaíma Malafaia: Nossa alma
belicosa e nossa necessidade de heróis.
Malafaia não é bobo! Sabe dessa nossa sede de guerra (o nosso GENERAL
é Cristo, lembram?), sabe da necessidade que toda “minoria” tem de ter
aqueles que enfrentam os gigantes (transformando Davi na melhor alegoria
das lutas contra os grandes e poderosos), sabe, como psicólogo, o
quanto a mente infantil precisa de defensores, já que não sabe caminhar
por adversidades.
Pois Silas Malafaia, o nosso “herói sem caráter”, assumiu, e bem, esse papel.
Dono de uma oratória inflamada, o verborrágico líder da Assembleia de
Deus Vitória em Cristo (denominação criada por ele numa divisão
estrategicamente arquitetada) vestiu a capa de defensor da minoria
evangélica (já nem tão minoria assim) e, quixotescamente, elegeu os
homossexuais como seus moinhos de vento a serem destruídos.
Como os evangélicos precisam de heróis e tem uma relação com a
sexualidade doentia e castradora, nosso Macunaíma encontrou terreno
fértil para suas investidas e para angariar investidores. Claro! Nosso
povo é capaz de doar o que não tem para alguém que vá defender a fé, tão
atacada pelos nossos inimigos.
O personagem de Mário de Andrade, mentiroso, ardiloso, matreiro,
fazia de tudo para alcançar o seu objetivo: a pedra Muiraquitã, presente
de sua mulher e que, para ele, tinha propriedades mágicas.
Silas Malafaia tem sua Muiraquitã: o dinheiro! Isso fica bem claro a
cada nova invenção para arrecadar ofertas. Desde bíblias de R$ 900,00
até a promessa de bênçãos materiais àqueles que ofertarem ao seu
“singelo” ministério.
Malafaia representa, infelizmente, parte do pensamento evangélico brasileiro. A pior parte! Mas representa.
Malafaia representa o pensamento evangélico ainda belicoso,
necessitando de inimigos e vociferando contra estes toda sorte de
versículos bíblicos condenatórios, pois a Bíblia é a nossa arma, nossa
metralhadora contra Satanás.
Malafaia representa a ganância evangélica pelo poder. Assume
claramente que, apesar de não ser político, quer trafegar entre eles e
influenciá-los. Sua sede de poder é latente, gritante. E, claro,
celebrada pelo povo que “descobriu” que não pode mais ser “cauda”, tem
que ser “cabeça”, nem que pra isso perca a cabeça e a “cauda”…
Malafaia é contraditório e “pilantra”! Porque, se conhece a palavra
como diz conhecer, sabe que o que fala e promete é uma contradição. E,
contradizendo-se, abusa, de má-fé, da boa fé das pessoas que acreditam
nele, logo, é “pilantra”! E não sou eu quem o diz, é ele mesmo, em um
vídeo antigo (da época em que ainda tinha bigodes e não tinha feito
implante capilar) onde afirma categoricamente que “pastor que promete
benção material em troca de ofertas é pilantra, é safado.”
Malafaia representa a ignorância do povo que, após crescer
desordenadamente, se acha no direito de legislar e impor suas doutrinas e
convicções a um Estado, composto de pessoas das mais variadas formações
e tendências religiosas. Dane-se! O “deus verdadeiro” tem que ser
empurrado goela abaixo daqueles que por anos o rejeitaram. Esse é o
castigo por zombarem de Deus (fora o inferno que os aguarda, na “outra
vida”).
Malafaia representa o ódio dos evangélicos por aqueles que não se
enquadram em suas leis e dogmas. Suas palavras carregadas de preconceito
e raiva, exalam algo que, nem de longe, faz lembrar a doçura e a
mansidão do Mestre de Nazaré.
Malafaia é o herói que o povo evangélico quer… belicoso… ganancioso…
brigão… vociferante… “corajoso”… mas é o herói sem caráter pois veste
essa capa exatamente para ter em troca sua Muiraquitã… a grana que
sustenta seus sonhos nababescos e extravagantes.
O povo vibra com a “coragem” de seu herói… que bate em quem for
preciso, mesmo que depois procure espaço no “inimigo” (a Globo taí pra
mostrar…). Não é raro ouvir a seu respeito: “não gosto dele, mas ele tem
coragem de peitar todo mundo”. Quando ouço isso penso: “ele conseguiu!
Vendeu a imagem de herói! E compraram a imagem vendida!” Para explorar o
povo depois dessa imagem construída é um passo muito pequeno… e fácil!
Malafaia usa o pior dos ardis de um enganador: usar a verdade para
mentir. Ele dispara sua metralhadora de versículos bíblicos e leva o
povo belicoso, que adora ver o inimigo “metralhado”, ao delírio, certo
de que, finalmente, surgiu alguém com coragem para enfrentar os
“incircuncisos”…
Sei que muitos dirão: você está julgando! Não! Estou apenas apontando
as ardilosas artimanhas desse senhor que se arroga representantes do
povo evangélico brasileiro. Tire você mesmo as suas conclusões.
Minha esperança é que os olhos sejam abertos e a gana evangélica por
heróis e inimigos seja expulsa de nós em nome de um amor que é capaz de
amar os inimigos. E falo de Malafaia como um inimigo do Evangelho, que
deve ser denunciado, mas amado… por mais difícil que seja. E por
impossível que pareça, ainda creio que um dia ele possa se arrepender
das negociatas em nome de Deus, e, como Zaqueu (não o da música, mas o
da narrativa bíblica) devolver aos pobres aquilo que lhes foi roubado em
nome de “Deus”.
Por enquanto, fico com a imagem de Macunaíma, o herói sem caráter…
hoje, triste metáfora daquele que quer, por força, representar o nosso
povo que se diz “povo de Deus”.
Com tristeza,
Fonte: Crerétambémpensar
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